Impactos da Reforma Tributária na Legislação Penal

Com a introdução de novos tributos e a modificação dos mecanismos de compensação e arrecadação, os tipos penais vigentes não conseguem abarcar completamente as novas práticas tributárias. Um dos principais problemas levantados por especialistas é a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) pela Súmula Vinculante nº 24, que estabelece que não se configura crime tributário antes da conclusão do processo administrativo. Essa limitação acaba gerando um espaço temporal no qual o crime permanece “suspenso”, o que pode ser interpretado como uma espécie de impunidade.

Diante disso, um grupo de mais de 20 especialistas da FGV Direito SP, que já havia colaborado na elaboração do texto da reforma tributária, iniciou uma pesquisa focada em revisar as normas penais aplicáveis à matéria. O principal objetivo dessa equipe é revisar o entendimento atual e propor mudanças legislativas que antecipem a responsabilização criminal, principalmente em casos de fraude e sonegação fiscal. Tais revisões também incluem a criação de novos tipos penais e a redefinição de penas, para que estejam em consonância com as novas realidades da arrecadação.


Estudos Comparativos com Legislações Internacionais

Para fundamentar suas propostas, os pesquisadores da FGV Direito SP têm realizado análises comparativas das legislações penais de países europeus que adotam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), como Espanha, Portugal, Alemanha e Itália. A experiência desses países com fraudes relacionadas à devolução de IVA fornece lições valiosas para o Brasil, especialmente porque, em tais jurisdições, mecanismos de controle mais robustos e tipos penais específicos foram implementados para lidar com operações simuladas e fraudes fiscais sofisticadas.

Na Espanha, por exemplo, fraudes ligadas à compensação de IVA são tratadas de forma rigorosa, com agravantes para crimes que envolvem grandes quantias ou operações transnacionais. A advogada Heloisa Estellita, uma das coordenadoras da pesquisa, aponta que fraudes semelhantes podem ocorrer no Brasil, considerando que a compensação de tributos no novo sistema permitirá que empresas recebam recursos diretamente do Estado. Tal cenário pode levar a abusos, como operações simuladas para gerar direito à compensação indevida, o que demanda uma resposta penal adequada.


Novos Tipos Penais e Penas Durante o Período de Transição

Um aspecto crucial das propostas em análise refere-se ao período de transição entre os sistemas tributários antigo e novo, o qual se estenderá por sete anos. Durante esse intervalo, os contribuintes terão de seguir regras tributárias de ambos os sistemas, o que pode gerar confusão e dificuldades interpretativas. Em países como a Itália, as infrações ocorridas nesse período transitório são tratadas com mais flexibilidade, restringindo as punições à esfera administrativa, sem penalidades criminais.

No entanto, a FGV propõe uma postura mais rigorosa no Brasil, com a criação de tipos penais específicos para fraudes que venham a ocorrer durante a transição. O objetivo é evitar que esse período seja visto como uma oportunidade para práticas ilegais ou evasão fiscal, aproveitando-se da sobreposição de regras e da eventual falta de clareza.


Riscos de Duplicidade nas Investigações Penais

Outro ponto de destaque nas discussões é a possibilidade de duplicidade nas investigações penais. O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68, em tramitação no Senado, prevê que a Receita Federal informe ao Ministério Público, dentro de um prazo de dez dias, a suspeita de crimes tributários relacionados à compensação de benefícios fiscais. Contudo, o artigo 83 da Lei nº 9.430/96 já contém uma previsão semelhante, o que pode gerar sobreposição de investigações, aumentando a burocracia e prolongando a tramitação penal.

Para evitar essa duplicidade, a equipe da FGV está trabalhando em propostas que harmonizem as normas existentes, visando tornar as investigações mais eficientes e reduzindo o impacto negativo da burocracia processual.


Responsabilidade Penal dos Administradores de Empresas

A responsabilidade penal dos administradores de empresas é outro tema central nesse debate. No Brasil, o Ministério Público tem ampla liberdade para investigar todos os administradores de uma empresa envolvida em fraudes fiscais, o que muitas vezes leva a injustiças, como a acusação de dirigentes que não participaram diretamente das irregularidades.

O estudo da FGV sugere que o Brasil adote critérios mais rigorosos e objetivos para delimitar essa responsabilidade penal, em linha com a prática de países como Alemanha e Itália. Nesses países, a punição recai sobre o “administrador de fato”, ou seja, aquele que teve envolvimento direto e poder de decisão sobre as operações fraudulentas. Com isso, busca-se evitar que gestores não envolvidos nas fraudes sejam indevidamente penalizados ou forçados a celebrar acordos com o Ministério Público para evitar o risco de prisão.


Considerações Finais

A reforma tributária no Brasil exige uma revisão cuidadosa da legislação penal tributária. A pesquisa conduzida pela FGV Direito SP visa modernizar e tornar mais eficiente a atuação penal nesse campo, propondo mudanças que combinem uma resposta rápida às infrações com a proteção dos direitos dos contribuintes. A criação de novos tipos penais e a antecipação da responsabilização criminal são etapas fundamentais para assegurar o bom funcionamento do novo sistema tributário.

À medida que o Congresso avança na regulamentação da reforma, é essencial que o Judiciário e o Legislativo atuem de maneira coordenada para implementar as mudanças no direito penal tributário de forma equilibrada, garantindo a eficácia da arrecadação sem comprometer os direitos dos contribuintes.

Manter-se atualizado com as novas regras da legislação penal tributária é essencial para evitar problemas futuros, especialmente diante das recentes mudanças. O Full Tax Service (FTS) da Menndel e Melo Advocacia oferece suporte completo de controladoria tributária e gestão fiscal, enquanto nosso Núcleo de Estratégias Tributárias Governamentais (NETG) atua com representação estratégica junto às entidades governamentais. Juntos, asseguramos que sua empresa esteja em conformidade com as novas regras, mitigando riscos e fortalecendo sua posição frente às exigências do Fisco. Entre em contato com um especialista e descubra como proteger o seu negócio em um cenário tributário em constante evolução.

Por: Isadora LiraCoordenadora do Núcleo de Estratégias Tributárias Governamentais (NETG)

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